BASTA SAIR NA RUA para ter a sensação de que a pandemia do Coronavírus não passou de um susto, que durou pouco e fi cou no passado. O “velho normal”, que muitos diziam que jamais voltaria a existir, parece que já foi devolvido. Em Cascavel, as empresas funcionam normalmente, pessoas se exercitam no lago, a Rua Paraná fi ca repleta de gente nas sextas-feiras a noite. Diante do cenário, tem até um amplo movimento pela retomada das aulas presenciais. Nas instituições privadas, o Ensino Superior e o Ensino Médio já estão inclusive autorizados à retomada. O “novo normal”, nas ruas, tem o cheiro de sempre, já nos hospitais, não é bem assim. Até a tarde de ontem (18), 33 pessoas estavam internadas em leitos de UTI, de hospitais públicos e privados de Cascavel, lutando pela vida e contra o vírus. Outras 29 estavam em leitos de enfermaria destinados a pacientes acometidos pelo vírus que até ontem, havia matado quase 135 mil pessoas em todo o Brasil. Ontem, mais duas pessoas morreram em Cascavel em decorrência do vírus, totalizando 132 casos desde o início da pandemia. É verdade que para família de cada uma destas 132 pessoas, bem como para a família das 33 que ainda lutam pela vida, o cenário é o pior possível, mas também é verdade que os números já foram mais alarmantes. Os leitos de UTI, por exemplo, já estiveram muito mais lotados. Chegamos a confi rmar 7 novos óbitos em um único dia. “Desde o fi nal de julho os números começaram a cair de forma considerável”, relatou o secretário municipal de Saúde, iago Stefanello. Mas tudo isso está muito longe de signifi car que a Covid-19 não é mais um problema. Primeiro porque a queda relatada por Stefanello durou pouco
. “Após o feriado de 7 de setembro sentimos que houve um aumento no número de casos confi rmados, por isso é fundamental que as pessoas mantenham o alerta constante, não deixando de lados as medidas preventivas tão exploradas. Os fi nais de semana geralmente sempre são os mais complicados, acontecem muitos encontros e os bares geramaglomerações. Não queremos impedir ninguém de trabalhar ou das pessoas terem momentos de lazer, mas é fundamental que cada um mantenha o distanciamento, utilize máscaras e álcool gel”, disse. No boletim divulgado ontem pela pasta, constava a confi rmação de mais 82 casos e 306 pacientes com o vírus ativo e mais 41 casos em monitoramento. No Paraná, os números não são mais “animadores”. A secretaria estadual informo ontem (18) mais 2.111 diagnósticos positivos de Covid-19 e 49 mortes em decorrência da infecção.
Os dados acumulados do monitoramento mostram que o Estado soma 160.228 casos e 4.024 óbitos pela doença. Mas, os números ofi ciais estão longe de signifi car o único fator preocupante em meio a esta pandemia. “SRAG não especifi cada” O doutor em História e professor da Unioeste, Gilberto Calil, vem trabalhando no monitoramento dos números de casos confirmados e óbitos em todo o país desde o início da pandemia. Calil também tem traçado comparativos entre políticas adotadas em diferentes países e estados brasileiros, bem como seus respectivos resultados. Para Calil a subnotificação é um problema sério no país, frente à pandemia e uma prova disso é a assustadora elevação no número de casos de óbitos por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). “Fundamentalmente, o Brasil é o país do mundo que tem o maior número de mortos por síndrome respiratória aguda grave não especifi cada. O que signifi ca que não é infl uenza, que não são outras doenças conhecidas, mas não se sabe o que é. Nós temos mais de 50 mil casos que não estão nas 135 mil mortes ofi - cialmente admitidas por Covid e que, por quase certeza, a imensa maioria delas é Covid, mas não está registrada”, comenta. Os números do nosso estado refl etem esta realidade exposta por Calil. Para se ter ideia, a semana epidemiológica 37 do ano passado indicava um total de 390 óbitos por SRAG não especificada no Paraná.
O boletim do mesmo período – da semana 1 à 37 – neste ano chega a 3.070. Issignifi ca que este tipo de morte no Paraná cresceu 787% durante este ano pandêmico. Até 16 de março, antes da primeira morte por coronavírus ser registrada no estado, eram apenas 31 mortes. Em Cascavel Em Cascavel, de acordo com o secretário de Saúde, obrigatoriamente, todos os casos de SRAG realizam testes. Quanto ao tipo de exame realizado, Stefanello explicou que o Município utiliza tanto o teste sorológico quando o RT-PCR (através de amostras de secreção respiratória). “Depende de quantos dias a pessoa apresenta os sintomas. Os testes RT-PCR só podem ser realizados entre o 3º e 7º dia do início dos sintomas, e os testes rápidos só podem ser realizados após o 7º dia de sintomas, nunca antes, pois serão falsos negativos”, disse. Quanto à quantidade de testes realizados, Stefanello explicou que isso depende da quantidade de pessoas com sintomas respiratórias que acessam os serviços. “
Quanto mais sintomáticos, mais testes. Quando diminui a quantidade de sintomáticos, diminui a testagem. A taxa positividade, que é a relação da quantidade de testes positivos para a quantidade de testes realizados, já chegou em maio e junho a 60%, mas tem fi cando na casa de 20% ultimamente”,relatou, indicando uma taxa de um positivo a cada 5 testes. Nesta semana, o Município de Cascavel anunciou que irá fazer a testagem em cerca de 4 mil servidores municipais. “Testar, testar, testar” Segundo Calil, o Brasil hoje é um dos países do mundo que tem a pior relação entre testes feitos e resultados positivos. “O Brasil tem três testes por resultado positivo e a maior parte deles é teste rápido, que são testes inadequados para diagnóstico. A OMS indica um mínimo de 20 testes por positivo como expressão de um bom controle. Diversos países europeus já estão com números bem superiores, que chegam a 50 testes por positivo. E os países que têm uma contenção efetiva da pandemia tem números ainda maiores.
A China tem quase 2 mil testes por positivo e com isso está há quatro meses sem óbitos. Há países asiáticos, países europeus, até mesmo na América Latina. É o caso de Cuba, que tem mais de 100 testes por positivo. Estes países, com isso, conseguem ter uma contenção muito maior e também uma avaliação muito mais concreta de qual é a situação momentânea da pandemia. É claro que isso se refl ete em um número de óbitos por milhão muitíssimo mais baixo. É o caso da China, o país mais populoso do mundo, são três óbitos por milhão. Enquanto que o Brasil já passou há bastante tempo de 600 óbitos por milhão, ou seja, mais de 200 vezes mais do que a China”, destacou o professor. É momento de ‘afrouxar’? “Em relação ao momento em que se encontra o país, é difícil de saber exatamente qual a situação, porque nas últimas duas ou três semanas tem-se uma redução muito moderada no número de casos, só que ela é acompanhada pela redução no número de testes então é difícil mensurar em que medida isso expressa de fato uma diminuição da dimensão da pandemia, mas de qualquer forma ela é muito limitada”, comenta Calil. Segundo ele, atualmente, em todos os estados do país, identifi ca-se um índice de reprodução acima dos 0,8, o que signifi ca que a redução de casos está abaixo de 20% a cada ciclo.
“Os estados do Sul do país, junto com o estado de Goiás, como os estados do Centro Oeste, têm índices próximos a 1 e até cima disso. Isso signifi ca que nós, nestes casos, e aí a situação do Paraná, é próxima de 1, logo, está muito distante de qualquer possibilidade de que a gente diga que estamos já declinando”, avaliou. Em comparação ao que vem acontecendo em outros países e até mesmo em outros estados, Calil sinaliza que o Brasil não está pronto para a tão almejada retomada (ainda que, de certa forma, já o esteja fazendo). “Eu tenho uma preocupação muito grande, avaliando os números, e também o cenário internacional, de alguns países que aceleraram o processo de retomada, no momento em que começaram a reduzir [o número de casos] e isso se inverte muito rapidamente. Tem casos como o de Israel, que tem uma segunda onda muito mais devastadora do que a primeira, porque reabriu cedo demais. E justamente este país acaba de estabelecer um lokdown rigoroso como resposta ao equívoco que cometeram, da antecipação”, disse. Logo, ainda que o número de casos tenha reduzido ligeiramente, é preciso levar em consideração a subnotifi cação e estas experiências frustradas em países que, inclusive, tomaram medidas muito mais severas e efi cazes que o Brasil. “Nós estamos muito distantes, do ponto de vista técnico, da comparação internacional, desta condição. Sobretudo num tema que vem sendo muito discutido que é a retomada presencial das aulas. São muitas as experiências desastrosas. Em Israel, em países asiáticos, na França e não faz nenhum sentido trazer exemplos como da Dinamarca.
Lá foi possível e não teve maiores problemas, mas eles fi zeram isso quando estavam com um número de casos praticamente zerado. Sempre que há identifi cação de algum caso toda a rede de contatos da pessoa é monitorada, faz exames efetivo, o RT-PCR. Portanto, é completamente inadequado fazer uma comparação do Brasil, com países que tem políticas completamente distintas e estão em estágio de quase total supressão da pandemia”, disse.