PORJULIET MANFRIN
Orçado em R$ 5,6 bilhões, a megaestrutura de 2 milhões de metros quadrados do Porto Guará, projeto que prevê um complexo privado complementar ao Porto de Paranaguá, no litoral do Paraná, enfrenta entraves burocráticos e jurídicos para sair do papel, sendo que o principal obstáculo é a questão ambiental. O empreendimmento portuário é considerado um dos mais modernos do país para atendimento de umas principais regiões agrícolas do Brasil.
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Em março deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) e o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema), que integra o Ministério Público do Paraná (MP-PR), emitiram uma recomendação administrativa conjunta ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) pelo veto à concessão da licença para instalação do terminal portuário.
O documento cobra a resolução de supostas falhas no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) com a apresentação de 351 pontos de incongruências e lacunas. “O local onde se pretende instalar o empreendimento na região do Emboguaçu [no litoral paranaense] está inserido na área prioritária de conservação denominada Mata Atlântica Zona Costeira 008, enquadrada como categoria extremamente alta de prioridade de conservação e na qual estão presentes diversos sítios arqueológicos”, alerta a recomendação administrativa.
Ainda de acordo com o documento, o berço de atracação pretendido dificultará o acesso das comunidades pesqueiras ao segundo maior mercado de venda de pescados de Paranaguá, com pontos marisqueiros e pesqueiros que seriam afetados.
O entrave burocrático para instalação do Porto Guará se acentua com a suspensão temporária do processo por determinação da Justiça Federal, amparado nos mesmos argumentos do MPF e do MP-PR. Assim, o prazo para contestação também ficará suspenso por pelo menos dois meses, período no qual os envolvidos devem informar em juízo se chegaram a uma resolução consensual.
Procurado pela reportagem, o Ibama alega que após a conclusão das primeiras análises dos estudos ambientais submetidos pelo empreendedor, o órgão federal apontou a necessidade de complementação do projeto. “A equipe técnica está atualmente em processo de análise dos documentos adicionais”, respondeu o Ibama em nota à Gazeta do Povo, sem esclarecer os prazos legais para conclusão dessa etapa.
Enquanto isso, o setor produtivo cobra por celeridade nos processos e pela superação da burocracia que trava o desenvolvimento econômico. Durante evento promovido pelo Sistema
Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), o ex-presidente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) e consultor de logística internacional Luiz Henrique Dividino afirma que existe o estrangulamento dos portos pelo Brasil em decorrência do crescimento das cidades nas regiões portuárias.
Para o especialista, os terminais privados são urgentes para o atendimento da demanda no estado. “Nós temos hoje três projetos no Paraná, mas eles não decolam devido às licenças necessárias: Novo Porto e Guará, ambos em Paranaguá, e o Porto Pontal, em Pontal do Paraná. O Porto Guará é o mais novo, mas é possível ser o primeiro a sair”, avalia.
Para a CEO do Porto Guará, Xernia Arnt, a exigência por ajustes dos órgãos fiscalizadores não são considerados como um atraso no andamento do processo de construção do complexo portuário. “Não encaramos a demanda da Justiça Federal ou demais órgãos de controle como um atraso, mas como uma oportunidade de prover o aperfeiçoamento do projeto que busca certificação ambiental”, afirma.
Ela classifica como "normal" os questionamentos durante o desenvolvimento de projetos de grande porte para garantir que os estudos ambientais sejam concluídos. “Na nossa visão é importante atender 100% da legislação ambiental definida pelas autoridades ambientais para trazer solidez para a fase de construção e ativação do empreendimento. Isso deve ocorrer na etapa anterior à emissão da licença prévia, que é o momento correto para esclarecimentos e análise dos impactos”, justifica.
Na área técnica, o projeto Porto Guará passou pelas etapas de pesquisas, sondagens, projetos de infra e superestrutura e simulações. “Isso nos permitiu demonstrar o potencial do empreendimento auxiliar ao Porto de Paranaguá”, completa. Na área ambiental segue, portanto, a fase de licenciamento para obtenção da licença prévia com o Ibama. “Ainda estamos demonstrando a viabilidade do projeto de envergadura, de forma que seja compatível ao meio ambiente”, esclarece.
Além da promessa de ser o porto mais moderno do Brasil, o projeto corresponde ao maior complexo portuário do agro na América Latina. A estrutura vai atender uma das principais regiões agrícolas do país: Paraná, Mato Grosso do Sul, parte do Mato Grosso e o país vizinho, Paraguai. Sem saída para o mar, a produção paraguaia é escoada em direção aos portos paranaenses.
A CEO do Porto Guará, Xernia Arnt, ressalta que no Brasil os terminais portuários privados representam 58% do total de cargas movimentadas. “Em São Paulo e Santa Catarina, a participação dos terminais portuários privados é ainda maior. No estado do Paraná, 92% da movimentação de cargas é realizada no porto público com conflito pela grande concentração entre caminhões e vagões nas zonas urbanas", analisa.
De acordo com ela, Guará foi projetado como uma alternativa ao Porto de Paranaguá em um regime de alta eficiência operacional, com sistemas de recepção e expedição de caminhões e vagões, fora do centro urbano da cidade e com capacidade para atender a alta demanda do Paraná, estados que está entre as principais economias do país.
Os Portos do Paraná, formado pelo Porto de Paranaguá e Antonina, operaram em 2023 o maior volume da história: 65,3 milhões de toneladas entre importações e exportações. Com Porto Guará em funcionamento, a previsão é de mais 37 milhões de toneladas/ano. Além disso, com o crescimento gradativo dos portos públicos, o objetivo é ultrapassar a marca das 120 milhões de toneladas/ano nas próximas décadas.
No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido, sendo que a largada do processo ainda sofre com os entraves da legislação para emissão de licenciamentos. A construção do terminal complementar está previsto em fases que se estendem por uma década. Ou seja, as históricas filas de navios e a longa espera para carga e descarga de vagões e caminhões não serão solucionadas nos próximos anos.
Em períodos de escoamento de safra, somado a outros problemas logísticos, a espera para carregamentos ou descargas dos navios pode levar mais de um mês. “A primeira fase deverá suprir as necessidades do segmento de granéis sólidos agrícolas e eliminar filas, demurrage [taxa de armazenamento excessivo de contêineres em terminal portuário] sobre estadias de caminhões, bem como oferecer serviços de apoio na retaguarda, suficientes para atender a demanda dos clientes. O tempo de construção aproximado desta etapa é de dois anos, assim se considerarmos a conclusão do licenciamento ambiental em 2025, teremos um novo cenário portuário em 2027”, projeta a CEO do Porto Guará.
Considerando o prazo de 10 anos para conclusão do projeto, se as obras de fato se iniciarem em 2025, o complexo bancado por recursos privados estará 100% pronto em 2035.
Ainda na primeira fase, o Porto Guará pretende ofertar uma capacidade de carregamento de navios de 20 milhões de toneladas/ano, para o segmento de granéis agrícolas, como soja e milho. “Vamos ampliar a capacidade de recepção em mais 1,2 mil caminhões e 800 vagões de trem por dia. Na fase final, o Porto Guará poderá chegar a 37 milhões de toneladas/ano”, completa.
Arnt argumenta que projetos portuários dentro de zonas urbanas em áreas públicas enclausuradas com alta densidade logística e demográfica reduzem a mobilidade e não atendem às necessidades de mercado.
“É fundamental prover condições logísticas compatíveis ao crescimento do agronegócio, da indústria e do comércio, garantindo aos empresários do Paraná e entorno, condições de previsibilidade nas operações logísticas além-mar”, ressalta a CEO sobre a localização do Porto Guará, que também é questionada pelos órgãos de controle.
O complexo portuário Porto Guará será composto por:
Nos dois primeiros anos, Porto Guará deve receber investimentos de R$ 1,9 bilhão com complexos multicargas para granéis sólidos, líquidos e containers. Quando estiver 100% concluída, a estrutura portuária terá 21 quilômetros de ferrovias permanentes e será considera a maior linha férrea dentro de um terminal portuário que vai permitir movimentação de até 70% das cargas pelo modal ferroviário no estado.
O Porto Guará foi projetado para ser o maior terminal rodoferroviário interconectado a um porto marítimo da América Latina. O projeto prevê um ciclo de 3,2 horas na movimentação de descarga de grãos e de 8,9 horas com a combinação de descarga e carregamento de granéis.
"Teremos capacidade de fazer frente a todas as necessidades do Paraná, Mato Grosso do Sul e Paraguai para os próximos 50 anos, provendo a fluidez necessária aos projetos de expansão da ferrovia e do sistema rodoviário do Paraná”, planeja a CEO do Porto Guará, Xernia Arnt.
A estrutura ferroviária adotada será em bitola mista, com base na conexão com a malha existente da concessionária Rumo Logística (EF-277) e com o futuro projeto da Nova Ferroeste (Estrada de Ferro Paraná Oeste).
A estrutura do Porto Guará terá áreas comuns compartilhadas, como pátio de triagem para caminhões e edificações de apoio com capacidade total de 37 milhões de toneladas/ano na conclusão do projeto. A estrutura terá uma retroárea com 2 milhões de metros quadrados em sistema integrado de pesagem de descarregamento e carregamento de caminhões e vagões em moegas rodoviária e ferroviária.
Além disso, contará com sistema de correias transportadoras com galerias fechadas, torres de transferência; balanças de fluxo; tombadores rodoviários; balanças rodoviárias de 30 metros; portarias com sistema de controle de acesso e pátio de triagem com 400 vagas.
Segundo o projeto, a infraestrutura marítima terá um píer de granéis sólidos de exportação com dois berços de atracação (externo e interno) e comprimento de 354 metros, podendo receber navios de 300 metros de comprimento total, identificado pela sigla LOA, e 170 mil de toneladas de porte bruto (TPB), além de um píer de granéis sólidos de importação com um berço de atracação e comprimento de 305 metros, podendo receber navios de 240m (LOA) e 80 mil TPB.
No píer de granéis líquidos de exportação e importação serão dois berços de atracação (externo e interno) e comprimento de 285,20 metros, podendo receber navios de 260 metros (LOA) e 115 mil TPB.
O projeto ainda prevê píer de contêineres com dois berços de atracação e comprimento total de 687,10 metros, podendo receber navios de 368 metros (LOA) e próximo de 151 mil TPB.
A promessa é de “acesso marítimo facilitado” pelo canal de aproximadamente 29 quilômetros de extensão com largura de 150 metros a 200 metros e profundidade dragada entre 14 e 16 metros, sendo a mais profunda na entrada do canal.
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